* Antônio Ferreira Couto Filho
Platão, Montesquieu, René Descartes, Max Weber, dentre outros, foram pensadores que tentaram dar uma contribuição para a humanidade, logicamente, cada qual em seu tempo e de seu modo, mas sempre com a proposta de evidenciar o bem e o mal e como pautar-se por um comportamento de acordo com suas leis próprias (polis) ou a justiça dos deuses.
A mitologia nos legou a história dos irmãos Epitemeu e Prometeu, valendo anotar que os próprios nomes deles, por si só, já nos fazem pensar, pois o prefixo “Epi”, quer dizer após e o prefixo “Pro”, quer dizer antes, entendendo-se com o mito, que Epitemeu seria o imprevidente e Prometeu, ao contrário, o previdente, aquele que pensa antes. Epitemeu foi encarregado pelo Olimpo de promover qualidades a todos os animais que asseguraram a sobrevivência das espécies. Prometeu, vendo que seu irmão esqueceu-se dos homens, volta ao Olimpo e rouba de Hefaistos e de Atenas a capacidade de invenção dos próprios meios de sobrevivência, aplicando essa qualidade divina aos homens, completando a tarefa encomendada pelos deuses aos irmãos. Apenas não outorgaram ao homem a arte política. Não conheceram a nobre arte de governo, sucedendo que sem este conhecimento a raça humana desapareceria da terra. Daí, que Zeus olhou para a falha e enviou Hermes para distribuir entre os homens os sentimentos de justiça e de respeito pelos outros, orientando-o no sentido de que todos os homens deveriam possuir tais sentimentos, pois caso contrário promoveria seu próprio desaparecimento. Assim, com esse mito, nascia a ética e o homem aprendeu que há invencíveis perigos no desenvolvimento das técnicas sem um correspondente e necessário progresso ético.
A ética é elemento vital para a preservação da vida humana, sendo que o homem, em seu mundo indivisível, é o próprio responsável pelo rumo da sua raça, isto é, sua análise e reflexão são o problema e a solução, gerando um imenso obstáculo à harmonia e a plenitude da felicidade, embora só ele possa obtê-la.
A civilização humana, a partir dessas observações, historicamente passou os séculos travando lutas internas e externas, entre o poder técnico e o político, passando por culturas como a Oriental e a Judaico-Cristã, mas sempre com propostas de castas, clubes, times, símbolos, marcas e diferenças que nos confrontam e nos mantém isolados e longe de uma proposta de ética igualitária.
Ingressamos no terceiro milênio e ainda nos deparamos com o homem preferindo ser esperto a ser inteligente, entendendo que precisa cuidar de si e não cuidar dos demais.
A ética brasileira é de tal sorte primitiva que nossas leis estão eivadas de casuísmo e de paternalismos. Muitos dos nossos homens, enquanto investidos de poder, em todos os níveis, cegam-se e pretendem mantê-lo a qualquer custo e no acúmulo de bens materiais, gerando massa crítica de ocupação que mantenha a sociedade à margem da educação e da saúde.
A ausência do bem estar ou eficácia no uso do conceito ético tem provocado uma verdadeira guerra civil no país. Balas perdidas, milícias, assaltos, furtos, homicídios, desrespeito às instituições, invasões nos bens públicos e privados, tem sido nossa cartilha de informação diária, como se estivéssemos ensinando aos nossos filhos e netos o modo de gerar o caos e fugir da harmonia.
Nosso país se orgulha de gerar leis que criaram “direitos” para idosos, crianças, adolescentes, mulheres e deficientes físicos, esquecendo que essas leis estão dentro de cada um de nós e que dispensariam quaisquer tipos de compilações ou codificações, pois o brasileiro tem o seu sentimento ético e precisa aprender a exercitá-lo sem que tenhamos que escrever leis óbvias e que não têm poder de mudar o comportamento do indivíduo.
Há um livro escrito por Fábio Konder Comparato, intitulado ÈTICA, no qual o autor, jurista consagrado, dedica seus estudos para as netinhas Laura, Júlia e Celina, como que prestando contas da primitividade ética dos tempos em que vivemos. Além disso, trata-as como “suavidades do seu entardecer”, deixando-nos uma reflexão de que as “suavidades” estão nas nossas crianças e já nos foram legadas por Zeus, através de Hermes, apenas não as aplicamos. Mas o legado à reflexão, consubstancia-se na proposta que o livro encerra, qual seja a “mundialização humanista”, segundo o autor, uma transformação amparada na dignidade da pessoa humana.
Hiroxima, Iraque, Hitler, 11 de setembro, Vietnã, além de outros, são fatos que nos ensinam como se materializa a ausência de ética, embora não se aplique ao nosso país. Mas não somos somente espectadores. Aqui temos exemplos tão ou mais eloqüentes do que esses. Neste dia que escrevemos este artigo, registramos 22 mortos na cidade do Rio de Janeiro, em conseqüência da guerra do tráfico. Além disso, Juizes e Desembargadores foram presos, por “venda” de sentença.
Com a possibilidade do fim de vida no planeta e pela modificação dos ambientes e dos ecossistemas, o ser humano está convidado a ser melhor do que foi. O nosso país em especial, com um incomensurável pulmão verde (Amazônia), e com sua tendência pacífica, festeira e emotiva pode ser uma emergente potência mundial em eticidade. A vaga está aberta e não há grandes concorrentes, basta o uso de uma overdose de dignidade, a qual já possuímos intensamente e nos apropriamos das nossas prioridades em educação e saúde.
A dignidade da pessoa humana está no 1º artigo de nossa Constituição, portanto, é prioridade do país. Dessa maneira, vamos por mãos à obra, pois a ética é a mãe da lei e no terceiro milênio ela reclama sua condição.
Arte e Cultura, prevalência do ser sobre o ter, ambiência e reciclagem, biocombustível, manutenção das matas, respeito ao homem, prioridade em educação e saúde, serão as ferramentas. Feliz terceiro milênio com Ordem e Progresso.
* Advogado e Presidente da Comissão Biodireito do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros